Os efeitos do Covid-19 têm sido implacáveis em várias dimensões da nossa vida. Degladiamo-nos não só com a gestão das nossas carteiras, como também da nossa própria saúde mental e das nossas relações pessoais.
Um dos temas que tem vindo a ser cada vez mais discutido, inicialmente em tom jocoso, é o potencial baby-boom que testemunharemos a partir de Dezembro. O pressuposto é que, com o isolamento, os casais têm agora mais tempo para se dedicarem a produzir bebés. Até já propuseram um nome para essa geração de bebés frutos do corona: coronials.
Quando isto da pandemia parecia um tema longínquo, quando achávamos que o confinamento ia cingir-se a um par de semanas, até era divertido hipotetizar isto. Para muita gente, parecia um bom agoiro. Ainda por cima em Portugal, onde a taxa de natalidade é tão baixa!
No entanto, à medida que o cenário se afigura mais nocivo e mais duradouro, há que repensar se faz sentido achar piada a este tipo de consequência de uma crise tão profunda como esta que estamos a viver. E faz também sentido questionarmo-nos se vai mesmo acontecer um baby-boom.
Esta dúvida ficou a pairar na minha cabeça. Inicialmente, achei que era óbvio que sim. Mas tendo em conta as especificidades do panorama em que vivemos, talvez a resposta não seja tão “preto no branco”. O sexo é uma parte importante na reprodução, mas não é a única.
“Isto é matéria para um artigo no blog”, pensei. Então, pus-me a pesquisar o que a ciência tem a dizer sobre fenómenos como este.
Há inúmeros aspectos a considerar quando analisamos um contexto de crise tão acentuado e com implicações tão profundas, como acontece com esta pandemia global. Das situações de catástrofe já estudadas, cada uma tem a sua especificidade e isso reflecte-se nos resultados e conclusões alcançadas: características da catástrofe, contexto em que ela acontece e condições sócio-económicas da população são apenas alguns dos factores a ter em conta.
Confinamento = mais bebés. Ou será que…?
Se quisermos fazer uma conclusão generalizada, o que os estudos nos dizem é que quando existe uma situação breve que obriga a um confinamento forçado (como um furacão, por exemplo), a taxa de fertilidade tende a aumentar.
Mas será que esta lógica se aplica a qualquer situação de crise? Os números dizem que nem por isso.
O que se conclui é que existe uma correlação negativa entre gravidade da situação e probabilidade de aumento da taxa de fertilidade. Significa que quanto mais grave for o acontecimento, menos provável é que dele resultem mais bebés.
Isto pode ter que ver com a preocupação generalizada da população em ter um bebé num contexto difícil e imprevisível: fome, instabilidade e desemprego não são bons pontos de partida para se investir em trazer um ser humano ao mundo.
Depois da tempestade, vem a bonança
Mas os números também apontam que depois de a situação de crise passar é provável que a taxa de fertilidade aumente consideravelmente.
Existem outros fenómenos curiosos associados a este cenário:
- Quanto maior for a taxa de mortalidade resultante da crise, mais provável é que o número de mamãs de primeira viagem aumente. Ou seja: pessoas que nunca tiveram filhos têm maior probabilidade de os ter assim que a sociedade se começa a recompor do desastre. Se em Portugal a taxa de mortalidade não disparar como aconteceu em outros países, diria que não se aplica
- Além disso, se durante a crise ou desastre houver uma quantidade significativa de morte de crianças (não será o caso em Portugal), a taxa de fertilidade aumenta ainda mais consideravelmente.
- E pessoas cujos familiares foram vitimizados no evento, apresentam também uma probabilidade acrescida de ter filhos.
A explicação por detrás disto é que, para lidar com a necessidade de se superar o trauma, surge uma vontade profunda de se sentir que a vida recuperou a normalidade. Ter bebés traz essa sensação de renovação e estabilidade. Uma espécie de trabalho comunitário pelo fim de um ciclo pesaroso e início de uma nova e luminosa fase.
Ao mesmo tempo, termos experienciado uma situação de ameaça à nossa sobrevivência pode levar a precipitarmo-nos e a tomarmos decisões que sejam significativas para nós e para a nossa vida afectiva.
Concluindo: não sendo eu uma especialista, a leitura que faço é que provavelmente não haverá baby-boom daqui a 9 meses em Portugal. Se esse baby-boom acontecer, será mais tarde, quando o tormento já tiver passado e nos estivermos a recompor do desastre.
Quanto a outros países do mundo, existem outras condicionantes em jogo: talvez em países como a Itália, onde se regista o maior número de vítimas mortais, a taxa de fertilidade aumente visivelmente quando tudo voltar “ao normal”.
Também me questiono se muito boa gente não adiará a maternidade até haver garantia de vacina para o Covid-19.
Ficam ainda questões importantes por responder:
- Quanto tempo durará esta crise?
- Teremos a garantia de acesso facilitado a meios contraceptivos nos próximos meses? (a produção de preservativos já está a sofrer com as medidas de quarentena impostas pelos países onde se encontram as fábricas, escrevi sobre isso aqui)
- Quais as consequências de colocar em pausa as consultas de planeamento familiar?
- Quantas mulheres não estarão a ser vítimas de violência sexual dentro das suas próprias casas, engravidando sem o pretenderem?
- E em relação às gravidezes indesejadas, serão as interrupções voluntárias da gravidez acessíveis, como acontecia antes de se declarar estado de emergência?
Com uma realidade que muda a cada dia que passa, só o tempo dirá o que daqui para a frente acontece. Aguardemos.
Artigos interessantes que consultei antes de me pôr a escrever ou REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA:
Obrigada à Patrícia Lemos do Círculo Perfeito pela troca de ideias, partilha de artigos e revisão do texto.
Acho que perspectivas financeiras menos boas não ajudam mas em contrapartida tempo a mais é motivador. Veremos…